13/06/2011
- 05h25
IVAN
LESSA
COLUNISTA
DA BBC BRASIL
Curioso,
mas, ao que parece, o engenho não foi anglicizado no Brasil. Ainda
não
ouvi ninguém falando ou, melhor dizendo, escrevendo sobre o livro
eletrônico.
Não
sei se pegou ou não por aí. Os livros-livros, aqueles de papel, já
eram e
continuam
a ser meio novidade e não figuram, segundo consta, dos 50 itens
mais
populares ou vendidos no Brasil. Com a honrosa exceção de Paulo
Coelho
e
Ivo Pitanguy, ambos membros da Academia Brasileira de Letras.
O
primeiro é fenômeno mundial: escreve e vende uma quantidade de
livros que
não
está no gibi (e esses? Quando serão eletronizados?). O segundo
também é
fenômeno
mundial: um dos grandes cirurgiões plásticos do mundo e autor de
algumas
importantes obras sobre sua especialidade, sempre consultadas
quando
uma senhora de nossa melhor sociedade quer dar uma melhoradazinha
geral
na fachada.
O
que me interessa saber é se o pessoal que lê nossos novos e
talentosos
escritores
de meia-idade vai à livraria, ao sebo ou à loja de informática.
Aqui,
nos Estados Unidos e mundo afora, o bicho pegou, e uma discussão sem
o
menor interesse corre solta sem ninguém que a contenha. A questão
tem três
lados.
Os que são contra, os que são a favor e os que preferem ler o
jornal
distribuído
grátis no metrô.
O
preço do tablete legível é o primeiro obstáculo. Quer dizer, é e
não é. O
Kindle,
que é marca da popular Amazon, custa lá pelas 110 libras, ou seja,
quase
uns R$ 300. Pelo que leio, no computador, é leve, tem bom contraste,
funciona
lindamente na base do Wi-Fi. Mas parece que, como tudo mais, o
quente
mesmo são os livros eletrônicos da Apple, do iDolatrado iSteve
iJobs. Ao
menos
é o que todo mundo me diz. Os aplicativos, ou seja, os livros,
propriamente,
o cerne da questão, seu busílis, são os jornais e revistas
populares
ou pedantes, que podem ser adquiridos e daí então acessados, por
bem
menos que um livro-livro. Ficam lá pelas duas ou três libras.
Quem
não gostou da história da digitação de livros foram os franceses,
que,
convenhamos,
são bons em matéria de escrituras e leituras. Há uma comissão
parlamentar
pensando e já tomando as necessárias providências para unificar
os
preços da leitura cibernética.
Francês
é chato com essa mania de livro. Aqueles livros feitos de árvores
(muitas
nossas, quero crer, tsk, tsk), e não micro-isso ou nano-aquilo,
também
sofreram
uma arejada governamental no sentido de unificar por baixo o preço
dos
brutos: Proust, Flaubert e Jean de la Quelque-Chose acabariam todos
saindo
pela mesma quantia (não repeti "preço". Os franceses
acham
deselegante
repetir uma palavra em três linhas).
Fato
é que, nessa história do livro eletrônico, não importa sua marca
ou raça,
seu
leitor de arquivos ou qualquer outro programa compatível, o que
importa,
digo
eu, no final das contas, é se o distinto aí --o senhor mesmo,
freguês-- vai
de
livro de árvore ou livro da Amazon? (Essa não quer dar a pala de
que vivem
do
trabalho de madeireiro ilegal ou chineses pagos a preço de banana.)
Mesmo
que os autores continuem faturando seus direitos autorais, no setor
eletrônico,
feito o Coelho e o Pitanguy, há uma opção a ser feita pelo leitor,
até
agora,
felizmente, apenas em potencial, e não impotente. Qual é que vai
ser a
escolha?
Dou
meu palpite, que é do que vivo. Fiquemos com o book-book e não o
ebook.
Faça
você o teste que bolei há 40 anos e recomendo para avaliar a
qualidade
de qualquer livro. Em primeiro lugar, abra numa página qualquer e
taque
o dedo numa linha. Batata. Dá um tremendo plá do livro: ou besteira
ou
legível.
New Criticism é isso aí.
Em
segundo lugar, e o mais importante, abra de novo, bem no meio, e dê
uma
boa
cafungada nele. Livro sem cheiro não é livro. Mesmo novo em folha
tem
que
lembrar, nem que seja vagamente, uma mulher que se amou muito. Se for
livro
velho, comprado no sebo, tem que cheirar a pó-de-arroz, patchouli,
suores
antigos
e à mesma mulher que se amou muito, agora num apartamento azul
com
o quarto iluminado só pela luz difusa de um abajur lilás.
O
objetivo de qualquer livro, mesmo aquele estalando de novo, pouco
importa
suas
qualidades literárias, é esse: ficar, lá na estante, fazendo
companhia à
gente,
ao lado de seus velhos amigos, outros livros, com eles conversando e
lembrando,
em silêncio, amores passados. Todos prontos para conosco
relembrarmos
tudo, comovidos como o quê.
Experimente
fazer isso com um livro eletrônico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Todo comentário em artigos, com qualquer data, será bem vindo, lido, apreciado e postado.
Sinta-se à vontade!