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aí. O lance é que, embora sejam muitos, sempre têm alguma dicazinha ‘da hora’
que pode fazer a diferença em nossas tentativas de adentrar o ‘métier’, pois pode
até bater com alguma característica idiossincrática e que pode ser o nosso diferencial,
não é verdade?
O lance é que, desavisadamente, podemos
até estar combatendo a dita cuja sem saber que pode ser o “nosso lance” como escrevinhador, ou candidato a escrevinhador,
logo, não custa dar uma olhadinha em mais uma lista de ‘dicas’.
Estas são do escritor Nelson Oliveira, doutor em Letras pela Universidade de São
Paulo (USP) e autor de livros como Naquela Época Tínhamos um Gato, Subsolo Infinito e A Maldição do Macho, e organizador de
duas antologias de contos Geração 90: Manuscritos de Computador (2001)
e Geração 90: Os Transgressores (2003), além de autor
da coletânea A Oficina do Escritor: sobre
Ler, Escrever e Publicar, da qual retirou este decálogo:
“1. Ler muito. Ler de tudo. Ler
sem preconceito. Os prosadores devem ler bons poemas. Os poetas devem ler boa
prosa. Digo isso porque tenho notado que a maioria dos prosadores não aprecia a
arte poética, assim como a maioria dos poetas não aprecia a arte da prosa. Isso
não é sinal de inteligência. O escritor iniciante também precisa cultivar o
gosto pela reflexão teórica. Livros de filosofia, de crítica e de história da
literatura precisam freqüentar sua mesa de trabalho.
2. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito.
Ler o passado e o presente, o cânone e a atualidade. Digo isso porque tenho
notado que metade dos escritores iniciantes aprecia somente a literatura
contemporânea, enquanto a outra metade aprecia somente os clássicos. Isso não é
sinal de inteligência. O passado e o presente precisam estar em perpétuo
diálogo.
3. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito.
Ler os brasileiros e os estrangeiros, os daqui e os de lá. Digo isso porque
tenho notado que metade dos escritores iniciantes aprecia somente a literatura
brasileira, enquanto a outra metade aprecia somente os estrangeiros. Isso não é
sinal de inteligência. Certo, eu confesso: eu pertenço ao primeiro time, esse
mandamento vale pra mim. Aprecio muito mais a prosa e a lírica brasileiras do
que a prosa e a lírica estrangeiras. Por isso tenho me obrigado, ao menos
profissionalmente, a estar sempre em contato com os de lá. Minha tese de
doutorado foi sobre a lírica portuguesa contemporânea.
4. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito.
Ler desconfiando do que está lendo, ler desconfiando do autor, do editor, do
livreiro. Desconfie dos livros de sua predileção, desconfie mais ainda dos
autores de sua predileção. Livros e autores, ame-os intensamente, sim, mas
jamais se entregue à idolatria cega, pois os escritores são mestres na arte da
sedução e do engano.
5. Ver muito. Ver de tudo. Ver sem preconceito.
Cinema, dança, artes plásticas, teatro, seriados de tevê. Ouvir muito. Ouvir de
tudo. Ouvir sem preconceito. Música erudita e popular, clássica e
contemporânea. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Quadrinhos,
quadrinhos, quadrinhos. Jogar muito. Jogar de tudo. Jogar sem preconceito.
Videogame, RPG, cosplay.
6. A literatura é antes de tudo linguagem.
Linguagem articulada com sensibilidade e talento. Linguagem estética,
subjetiva, conotativa, que ultrapassa a linguagem ordinária, objetiva,
denotativa. O escritor não deve procurar com avidez o mínimo denominador comum:
apenas a linguagem que é acessível à maioria das pessoas. Quem faz isso são os
autores de best-sellers, simples contadores de histórias, simples versejadores,
não os verdadeiros escritores.
7. Evite o estereótipo, fuja do clichê, corra do
chavão, não marque encontro com o lugar-comum. O critério originalidade não é
exclusivo apenas do desfile das escolas de samba, ele ainda faz sentido também
na atividade literária.
8. Bons sentimentos não fazem boa literatura.
Afaste-se do tratamento edificante, repleto de boas intenções. A sociedade está
cheia de defeitos, porém a melhor forma de propor soluções não é produzir
literatura doutrinária, militante, moralista.
9. A função da boa literatura não é entreter e
deleitar, mas inquietar e provocar o leitor. Se a narrativa e o poema passam o
tempo todo adulando o leitor, dando-lhe somente o que ele deseja, evitando
constrangê-lo ou contrariá-lo, essa narrativa e esse poema são péssimas peças
literárias.
10. Prosadores, evitem as formas consagradas,
evitem o conto e o romance realista, inventem sua própria forma, a teoria do
efeito único e concentrado (Poe e Tchekov) e a do iceberg (Hemingway e Piglia)
pertencem ao passado glorioso. Poetas, evitem as formas clássicas, evitem o
verso de medida fixa, inventem sua própria métrica, fujam da rima, o poema
regularmente metrificado e rimado pertence ao passado glorioso.
Por Maria Carolina Maia, em Veja
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