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Quando me fazem uma das
perguntas mais frequentes numa livraria: «queria um livro para
alguém que não gosta de ler», imediatamente penso que é o
equivalente a pedirem-me uma cerveja sem álcool, um café sem
cafeína ou um cigarro electrónico sem nicotina, isto é, um livro
sem enredo, sem personagens, sem sentimentos, sem emoções, sem
ideias. O pior é que se abre uma multiplicidade de hipóteses das
quais não posso fugir, os livros editados para pessoas que não
gostam de ler são, paradoxalmente, a maior fatia da oferta que
existe no mercado. Basta passear um pouco por uma grande superfície
e verificar a grande quantidade de livros iguais no seu aspecto
estético e temático, para perceber que essa é a lei que impera.
Não quero parecer elitista ao criticar a opção de se ler esse tipo
de livros, é legitimo fazê-lo. Mas sejam quais forem os prazeres de
desfrutar de um livro, enquanto objecto que nos permite levitar para
outro mundo, esta não pode ser a única abordagem da leitura. Um
livro pode, de facto, mudar a nossa vida. Não é o trabalho de um
escritor uma espécie de instrumento óptico que é oferecido ao
leitor para lhe possibilitar encontrar aquilo que, sem a ajuda do
livro, nunca teria conseguido sentir sozinho? Não será um livro a
descoberta do eu através dos outros? Já Marcel Proust dizia
que é sempre mais interessante citar os outros do que nos citarmos a
nós próprios. Para Orhan Pamuk um livro, para além do seu enredo e
das personagens, tem que ter uma ideia central, aquilo a que Pamuk
chama o centro do livro ou desígnio do livro. A função
de um livro não é apenas a de nos dar prazer, ou seja, um
analgésico, de efeito efémero, que ajuda a minimizar a solidão ou
a passar o tempo enquanto viajamos de autocarro ou de comboio; pode,
pelo contrário, criar-nos angústia, medo e dúvida, mas também nos
pode dar respostas. Porém, parece que a maioria das pessoas quer
apenas um sucedâneo, um placebo, algo que simplesmente as distraia e
seja inócuo. É uma opção.
Jaime Bulhosa – Pó
de Livros
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